"Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem...
O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido.
Quando a gente abre os olhos,
abrem-se as janelas do corpo,
e o mundo aparece refletido dentro da gente.

Aprendemos palavras para melhorar os olhos.
As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor".

(Rubem Alves)

terça-feira, 25 de dezembro de 2012




Seremos ainda românticos
- e entraremos na densa mata,
em busca de flores de prata,
de aéreos, invisíveis cânticos.

Nas pedras, à sombra, sentados,
respiraremos a frescura
dos verdes reinos encantados
das lianas e da fonte pura.

E tão românticos seremos,
de tão magoado romantismo,
que as folhas dos galhos supremos
que se desprenderem no abismo

pousarão na nossa memória
- secas borboletas caídas -
e choraremos sua história,
resumo de todas as vidas. 

Cecília Meireles

domingo, 23 de dezembro de 2012

Anjos do Mar






As ondas são anjos que dormem no mar,
Que tremem, palpitam, banhados de luz...
São anjos que dormem, a rir e sonhar
E em leito d'escuma revolvem-se nus!


E quando de noite vem pálida a lua
Seus raios incertos tremer, pratear,
E a trança luzente da nuvem flutua,
As ondas são anjos que dormem no mar!

Que dormem, que sonham — e o vento dos céus
Vem tépido à noite nos seios beijar!
São meigos anjinhos, são filhos de Deus,
Que ao fresco se embalam do seio do mar!


E quando nas águas os ventos suspiram,
São puros fervores de ventos e mar:
São beijos que queimam... e as noites deliram,
E os pobres anjinhos estão a chorar!


Ai! quando tu sentes dos mares na flor
Os ventos e vagas gemer, palpitar,
Porque não consentes, num beijo de amor,
Que eu diga-te os sonhos dos anjos do mar!

(Álvares de Azevedo) 


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Definições...






Sou uma mulher madura
Que às vezes brinca de balanço

Sou uma criança insegura
Que às vezes usa salto alto

Sou uma mulher que balança
Sou uma criança que atura


(Martha Medeiros)

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Recordação



Agora, o cheiro áspero das flores
leva-me os olhos por dentro de suas pétalas.

Eram assim teus cabelos;
tuas pestanas eram assim, finas e curvas.

As pedras limosas, por onde a tarde ia aderindo,
tinham a mesma exaltação de água secreta,
de talos molhados, de pólen,
de sepulcro e de ressurreição.
E as borboletas sem voz
dançavam assim veludosamente.

Restitui-te na minha memória, por dentro das flores!
Deixa virem teus olhos, como besouros de ónix,
tua boca de malmequer orvalhado,
e aquelas tuas mãos dos inconsoláveis mistérios,
com suas estrelas e cruzes,
e muitas coisas tão estranhamente escritas
nas suas nervuras nítidas de folha,
- e incompreensíveis, incompreensíveis.

(Cecília Meireles)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Serenata



"Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.


Permita que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,e a dor é de origem divina.


Permita que eu volte o meu rosto para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho como as estrelas no seu rumo."


(Cecília Meireles)

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Asas



Nas ilhas do meu desejo
Mora um anjo
Que, às vezes, 
Vejo.
As suas asas compridas
Roçam as minhas pálpebras
E eu fico cheia de asas
E repleta de sorrisos.
Quando me toma palavra
Eu perco todo o medo.
Entre nós não há segredo,
Exceto os que não contamos.
Nas ilhas,
Não se faz plano.
O prazer é navegar
Entre aquilo que se sabe
E o que nunca se saberá.
Nas ilhas do meu desejo
Habita um anjo.
Que, às vezes,
Beijo.


(Quando tenho asas - Rebeca Sales)


sexta-feira, 16 de novembro de 2012







"Sou composta por urgências:
minhas alegrias são intensas;
minhas tristezas, absolutas. 
Me entupo de ausências, 
me esvazio de excessos.
Eu não caibo no estreito,
eu só vivo nos extremos"


(Clarice Lispector)


domingo, 11 de novembro de 2012

Um pouco de mim...

                                                                            Foto: Adino Bandeira





Se leio Cecília tomo um banho de mar. 
Sinto cada azul me lavando, 
o cheiro de vento impregnando o vestido molhado. 
Porque qualquer roupa que uso 
vira vestido, se leio Cecília; 
ganho saias compridas, 
rodadas, rendadas, remendadas. 
E vou girando pelo ar,
avessa ao chão, 
penetrando em jardins que vão dar no fim mundo.


("Se leio Cecília" - Rebeca Sales)









sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Reinvenção




A vida só é possível reinventada.
Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas. . .
Ah! Tudo bolhas que vêm de fundas piscinas de ilusionismo... – mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.


(Cecília Meireles)



sábado, 15 de setembro de 2012



Há uma primavera em cada vida:
é preciso cantá-la assim florida, 
pois se Deus nos deu voz, foi para cantar! 
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
que seja a minha noite uma alvorada, 
que me saiba perder...para me encontrar....


Florbela Espanca