"Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem...
O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido.
Quando a gente abre os olhos,
abrem-se as janelas do corpo,
e o mundo aparece refletido dentro da gente.

Aprendemos palavras para melhorar os olhos.
As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor".

(Rubem Alves)

quarta-feira, 28 de março de 2012

Mar e Sol

                                                                                       Foto: Margareth Muniz




Um Sol
Eu sou
Para o seu mar, ó meu amor;

Você
O mar é
Para o meu Sol, para eu me pôr;

Me pôr
Em você,
Me espelhar, me espalhar;

Meu Sol
De arrebol
Deitar no leito de seu mar -

E entrar em você,
Em você queimar, arder;
Em você tremer, em você,
Em você morrer, morrer.

Um só,
Um nó
De fogo e água, terra e céu,

A sós,
Somos nós,
De corpo e alma, você e eu;

E eu
A descer,
A desnascer, desvanecer;

A ser
Em você
Um Sol a se dissolver -

Depois,
Nós dois,
Olhos nos olhos, vis-à-vis,

Nos seus
Olhos meus,
Me vejo no que vejo ali;

Ali,
Eu-você,
Olho no olho a se espelhar,

Amor,
Sem temor,
Olho o que eu olho me olhar -

Ao entrar em você,
Em você queimar, arder;
Em você tremer, em você,
Com você morrer, morrer.

Paixão de fogo de paixão
De fogo de paixão
De fogo de paixão,
Em que me afogo de paixão
Me afogo de paixão
Me afogo de paixão


(Gal Costa)

O ato de ver

                                                                                         Foto: Margareth Muniz




Ver é muito complicado. 
Isso é estranho porque os olhos, 
de todos os órgãos dos sentidos, 
são os de mais fácil compreensão científica. 
A sua física é idêntica à física ótica de uma máquina fotográfica:
o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro.
Mas existe algo na visão que não pertence à física. 
William Blake sabia disso é afirmou: 
“A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”.
Sei isso por experiência própria. 
Quando vejo os ipês floridos sinto-me como Moisés, 
diante da sarça ardente: 
ali está uma epifania do sagrado. 
Mas uma mulher que vivia perto da minha casa 
decretou a morte de um ipê que florescia à frente de usa casa,
porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura.
Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.



(Rubem Alves)